sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017



TAMEGÃO

CARLOS NUNES PINTO

XIV





“ Disseram tantas mentiras que agora parecem verdade“


Assim que regressei, fui visitar o Tamegão:
− Tamegão, cheguei.
Abriu os braços. Abraçou-me.
Ficámos tanto tempo assim que deu para eu sentir o seu coração bater, mas muito lentamente.
− Tamegão, o teu coração bate devagarinho.
− E o teu parece de um passarinho. Quando o menino chorou lá longe, o meu coração se agitou. Você me chamou porquê?
− Porque precisava de chorar.
−  Não faz mais isso, me faz muito mal.
− Como acontecia  com o teu pai lá no cemitério?
Mudou de conversa.
− Teu irmão segundo também não chorou porque ficou com vergonha.
− Vergonha de quê?
− Ficou com peneiras do casaco novo, mas o tal homem que enganou você também enganou ele.
− Como?
− Casaco tinha um bolso roto.
− Roto?
− Sim, lá no fundo.
Juro que fiquei satisfeito, afinal fomos os dois enganados. Também me vou rir dele como ele se riu de mim.
Tamegão adivinhou a minha intenção.
−Não precisa gozar com ele. Ele já está a pagar. Ele falou:
− Tia, podes coser o bolso do meu casaco?
− Não, o Albérico que o cosa.
− E agora? Como é que ele vai resolver isso?
− Não é ele que vai resolver, é você.
− Eu?!!
− Você vai lá na loja desse Sr. Albérico e diz nele: “Sr. Albérico, está aqui o casaco do meu irmão para o senhor mandar arranjar o bolso que o meu pião rasgou. Esqueci-me dele a rolar toda a noite lá dentro. Agora, o meu irmão quer-me bater”.
− Oh, miúdo, não fui eu quem o mandou pôr no bolso do teu irmão!
− Mas foi o senhor que mo vendeu, e que nunca mais  parava de rolar!
− Dá cá o casaco.
− O Sr. Albérico também pode mandar pôr um travão no meu pião?
− Desculpa lá isso. Uma coisa te vou garantir: se um dia fizerem um que nunca pare, eu não te vou vender, vou-te oferecer. Aceitas?
− Concordo.
− Aperta cá essa mão.
Quando apertou a minha mão, o Sr. Albérico ficou pálido. Percebeu que eu tinha seis dedos!


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