domingo, 5 de fevereiro de 2017


TAMEGÃO


CARLOS NUNES PINTO


VIII


  “A manga tira da árvore o cheiro a terra molhada.”

− Bom dia, Tamegão.
− Olá, Luana.
Luana trazia à cabeça uma quimbala carregadinha de mangas pintadas de amarelo doce, apanhadas nas árvores do caminho. Mangas de serra-a-baixo, de todos e de ninguém.
Perguntou: 
−Vais vender no comboio?
Luana olhou para o Sol, acertou o seu tempo e disse:
− Eu vai já, o comboio está quase a chegar.
Partiu, com o seu corpo bamboleante. As saias esvoaçavam ao vento, desenhando-lhe os contornos.
Tamegão só desviou o olhar quando ela desapareceu para lá da primeira curva do carreiro.
Ingrato era o negócio de Luana. Sempre, mas mesmo sempre, quando se anunciava a partida do comboio, alguns passageiros oportunistas fingiam procurar dinheiro em todos os bolsos. Entretanto, o comboio começava a deslizar, esmagando os carris e, com eles, as moedas.
Caíam lágrimas daquele rosto, sempre que a última carruagem se escondia para além da curva. Dentro dela seguiam também as moedas guardadas em sacos de raiva e de revolta.
Depois, regressava à realidade. Na loja, trocava as sobras da quimbala por arroz, farinha ou pão.
Os poucos angolares que conseguia dava-os ao seu homem, que logo os transformava em vinho
Quando, à noite Saparalo voltava a casa, já alegre, todo se convertia em abraços e beijos, dados devagarinho, para os miúdos não acordarem.

Depois, sim o vinho que lhe corria nas veias transformava-se em poesia. 

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