sábado, 2 de janeiro de 2016


PIETÀ




Estive em Roma há alguns anos e visitei o Vaticano. Ao entrar na Basílica de S. Pedro, achei-a grande demais para o meu gosto, embora entendesse que deveria ser assim, dada a necessidade de impressionar os fiéis vindos um pouco de todo mundo para visitarem o coração da cristandade.
Lá dentro, a profusão de estátuas não me entusiasmou, nem me tocou a sensibilidade. Glorificam papas, heróis e santos. Admirei o disco de pedra vermelha do Egito onde Carlos Magno ajoelhou para a sua coroação. Era estranho ver tão de perto um testemunho da História distante. Imaginei-me a assistir à cerimónia, encostado a uma parede, atrás dos notáveis.
Tinha consultado um livrinho e estava relativamente bem informado. Procurei a nave da epístola, que se encontrava na alameda do lado direito. A Pietà de Miguel Ângelo fora colocada na primeira capela. Representava Jesus morto, no regaço da Virgem Maria.
Miguel Ângelo Buonarroti deixara a adolescência havia pouco quando o cardeal francês Jean Bilhères de Lagraulas, embaixador do Reino de França na Santa Sé, lhe encomendou aquele trabalho. O contrato assinado obrigava o artista a terminar a obra no prazo de um ano. Miguel Ângelo cumpriu o acordo, mas o cardeal não chegou a ver a escultura terminada, pois morreu alguns dias antes de se esgotar o período contratado. A Pietà foi colocada no seu túmulo. Dois séculos e meio mais tarde, procedeu-se à transladação para o local onde se encontra atualmente.
A técnica utilizada permite que o conjunto escultórico se possa olhar de todos os ângulos, embora se aprecie melhor de frente. Saltam aos olhos de quem se chega perto duas contradições determinadas pelo sonho e pela estética: por um lado, o Cristo é menor que a Virgem; por outro, Miguel Ângelo esculpiu uma Senhora mais nova que o filho morto. De certo modo, imaginou-a antes de Jesus ter nascido, como se pudesse permanecer eternamente bonita e jovem. Maria é figurada como menina mãe. Há mais. Aquela mulher é bela e desejável. A tristeza que lhe marca a expressão do rosto induz nos homens sentimentos de proteção, mas também atrai. Não aconteceu assim por acaso. Julgo que Miguel Ângelo quis representá-la desse modo.
Foi ele próprio a escolher o mármore que iria talhar, quase como um jovem escolhe a namorada. Vê-se que o grupo escultórico foi uma obra de amor. O artista imaginava e fingia acreditar que o bloco de pedra continha, desde o início, as figuras idealizadas. A ser assim, qualquer rocha conteria em si toda a beleza e toda a fealdade do mundo. O artista olhava e via a dor de uma mãe a quem tinham morto o filho. A sua vontade e a sua técnica iriam encarregar-se de as pôr à mostra, de as revelar aos olhos do mundo.
Houve, ao tempo, quem sugerisse que uma obra assim perfeita não poderia sair do cinzel de um escultor tão novo. Miguel Ângelo conclui o trabalho aos 24 anos. Estava-se em 1499, o ano em que Vasco da Gama regressara a Lisboa, depois de aprender o caminho por mar para a Índia.
O artista irritou-se e inscreveu o próprio nome na faixa que atravessa o corpo de Maria. Com isso, não ganhou o hábito de assinar os seus trabalhos.

Em maio de 1972, um louco golpeou a estátua com um martelo enquanto gritava que era Jesus Cristo, ressuscitado dos mortos. Feriu o rosto magnífico e um dos braços. Felizmente, o trabalho de restauração foi quase perfeito. Desde então, a Pietà está protegida por um vidro resistente.

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