domingo, 31 de maio de 2015


AINDA O ACORDO ORTOGRÁFICO





  Há alguns anos (21/01/10), expus, neste espaço, a minha opinião sobre o Acordo Ortográfico. 
  Antes e depois de o fazer, encontrei quem concordasse comigo e, também, quem discordasse. A falta de consenso leva a pensar que se procurou e conseguiu, um certo “acordo” internacional (pelo menos com portugueses, brasileiros e cabo-verdianos) mas que não se obteve um “acordo” dentro de portas.
 Em Cabo Verde, o Acordo está em fase de implementação.
No Brasil, segundo o linguista José Luiz Fiorin, “o Acordo já está completamente implantado porque os jornais, revistas e livros utilizam a nova ortografia e não havia necessidade de se prorrogar o início do período de obrigatoriedade para 2016”.
  O governo angolano não aprovou o Acordo ortográfico, não sendo certo que o venha a fazer. Em Moçambique, o Acordo ainda não foi ratificado pelo parlamento.
  No passado dia 13 de Maio, cumpriram-se os seis anos do período de transição e o Acordo tornou-se obrigatório em Portugal. A polémica foi imediatamente relançada. Ai, Deus, que nos roubam a língua!
  Há dias, Sampaio da Nóvoa, candidato presidencial, declarou, em Amarante, que “o acordo ortográfico deve ser reavaliado com muita determinação”. Não consta que o antigo reitor da Universidade Nova se tenha manifestado publicamente nesse sentido, antes de enveredar pela vida política ativa. Felizmente, no nosso regime semipresidencialista, as opiniões de um candidato a presidente, em matéria de linguística, valem o mesmo que as dum cidadão comum, embora tenham uma divulgação muito maior. Que me perdoe Sampaio da Nóvoa, mas pretende mesmo lançar a confusão nas cabeças dos nossos netos? Os que iniciaram a escolaridade no decurso dos últimos anos não aprenderam outra grafia.



   Eu não sou linguista, mas penso, falo e escrevo em português.
  Considero que, antes de se chegar a um acordo internacional, se deveria ter discutido a questão, até alcançar um consenso nacional. Os “puristas” (alguns dos quais encontram argumentos na raiz latina de muitos dos nossos vocábulos) defendem que a correção da linguagem portuguesa deve passar pelo respeito escrupuloso das regras gramaticais vigentes. Outros pensam que a escrita deve acompanhar de perto a linguagem, indo buscar a legitimidade das novas formas às expressões orais que se vão popularizando. Julgo que qualquer acordo deveria harmonizar as duas tendências.
  Pessoalmente, acho que era mais do que tempo de reformular a ortografia da nossa língua. Teria sido mais fácil proceder à sua revisão dentro de portas, à semelhança do que foi feito, repetidamente, no passado. Já ninguém pretende ver escrito “parochias”. Há muito que o “s” que precedia o “c” no início das palavras foi abolido (lembre-se “sciência”). O “ph” de “pharmacia” e “philosofia” desapareceu e não deixou saudades.
  A meu ver, a revisão da ortografia poderia ter ido mais além. De que servem os “h” no início das palavras?
  Em tempos de computadores e de mensagens ”SMS” (abreviatura de Short Service Messages) será difícil conter a tendência para a simplificação dos textos. Na ausência de estatísticas que a permitam confirmar, fica a suposição de que, hoje, o SMS é a forma mais usada de escrita em língua portuguesa. Nessa prática, já caíram, há muito, o “ch”, substituído pelo “x” e o “qu”, que tem dois herdeiros a competir: o “k”, ou o “q” (a substituir o “qu”, omitindo a vogal). Tratando-se de uma prática de massas, sobretudo entre a população jovem, seria surpreendente que não conduzisse, a prazo, a modificações significativas na escrita oficial.
  A internacionalização do Acordo espevitou nacionalismos e deu mesmo azo, a um certo chauvinismo. “Então, levaram-nos as colónias e agora, querem roubar-nos a língua?”
  Não precisariam de o fazer. A língua portuguesa é tanto deles como nossa.
  Repare-se que o Acordo ortográfico modifica a grafia das palavras (1,6% em Portugal e 0,5% no Brasil), mas não interfere na pronúncia.
Para os brasileiros, as diferenças maiores assentam no uso do hífen e na acentuação dos ditongos.
 Para nós, a modificação mais importante reside no abandono das consoantes mudas. Secundariamente, desaparece o hífen, em algumas conjugações do verbo haver, e modifica-se a acentuação de diversos vocábulos.
  Compreendem-se as reticências de países como Angola e Moçambique em relação ao Acordo ortográfico. A verdade é que uma parte não contada mas significativa da população desses dois países africanos desconhece a língua portuguesa. As massas camponesas continuam a comunicar nos dialetos gentílicos. Nessas paragens, o domínio do português é um privilégio das elites.
 Como era de prever, a introdução de corretores de texto, que adotam instantaneamente a grafia antiga à nova, simplificou o processo de transição e reduziu o número de oponentes ao Acordo ortográfico.
  Prevejo que, mais do que livros, revistas e jornais, serão as telenovelas (acima do cinema, em que nenhum país lusófono mantém notoriedade) os elementos unificadores da linguagem falada, incluindo o aspeto da pronúncia.
  Com a profusão de neologismos de raiz tecnológica, quase todos os povos do mundo falam cada vez mais inglês, ou incorporam vocábulos anglo-saxões nas suas línguas nacionais. O inglês é a língua franca dos tempos modernos. No entanto, não me parece necessário um “esperanto”. As grandes línguas mundiais, entre as quais se conta o português, continuarão a ser faladas no futuro previsível.
  Nós, portugueses, deveríamos estar orgulhosos por termos desenvolvido uma língua que é das mais usadas no mundo. Deixou há muito de ser exclusivamente nossa, para se afirmar como património cultural da Humanidade.    

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