terça-feira, 10 de fevereiro de 2015


           JE NE SUIS PAS CHARLIE!

                                              III


Há razões de queixa bem conhecidas por parte das populações e dos líderes maometanos em relação ao chamado ocidente.


A criação do Estado de Israel em território árabe, em 1948, deu origem a uma série de guerras periódicas sem fim à vista. Israel é o principal aliado americano no Médio Oriente. 


O poderoso lobby judaico nos E.U.A. parece inamovível. O apoio que dão aos seus confrades tem-lhes permitido vencer todas as guerras e desrespeitar sistematicamente as deliberações da ONU.


A invasão do Iraque (um grande produtor de petróleo) em 2003, levada a cabo por uma coligação liderada pelos norte-americanos, a coberto de um pretexto reconhecidamente falso, desestabilizou toda a região. Os confrontos entre sunitas e xiitas têm-se mantido, com intermitências. Em 2014, rebentaram combates sangrentos no norte e no leste do país, onde a maioria da população é sunita. Seguiu-se, como já vimos, a criação do ISIS. Muitos observadores receiam que o conflito alastre a estados vizinhos.


A intervenção militar da NATO na guerra civil da Líbia em 2011, com o derrube e a execução do velho líder Muammar Gaddafi, lançou a instabilidade no país, que é actualmente disputado por dois governos e dois parlamentos. Ainda no dia 5 de fevereiro ocorreram combates em Benghazi, a principal cidade do Leste deste país norte-africano (também produtor de petróleo...)
Recentemente, o grupo terrorista Boko Haram tem assolado o nordeste da Nigéria, prolongando o espaço de actuação do ISIS.
O petróleo barato custa, afinal, muito caro. A guerra que os americanos levaram ao Iraque e a Tripoli está a fazer correr sangue no velho continente.
Nos países árabes, a pobreza, a repressão, a corrupção, a falta de educação e de perspectivas estão na origem da raiva.
Aos conflitos que grassam em boa parte do Médio Oriente há a juntar o choque civilizacional patente nos países ocidentais, que se têm mostrado incapazes de lidar com as suas crescentes populações de fé muçulmana.
Muitos maometanos europeus sentem-se entre dois fogos. Sabem que a violência leva ao medo e que o medo engorda os preconceitos. Receiam o isolamento social e temem pela sua segurança. Um pouco mais e haverá mesquitas a arder um pouco por toda a Europa.


Trata-se de um círculo vicioso: a violência engendra justificados preconceitos contra os que a praticam, mas também contra a maioria dos inocentes que se parecem com eles. A percepção dos preconceitos gera mais violência.
Muitos muçulmanos sentem-se desnecessariamente ofendidos. Até os mais moderados encaram as caricaturas do profeta como blasfémias.
E se não tivessem existido as caricaturas? Evitar-se-iam actos terroristas? Não. O terrorismo tem uma dinâmica própria. O ataque dar-se-ia noutro lugar, com vítimas diferentes.
Segundo a «Time» de 19 de Janeiro, o ataque ao Charlie Hebdo tinha sido anunciado: antes do Natal, em eventos separados, dois condutores lançaram os automóveis contra multidões que faziam compras em Nantes e Dijon. As instalações da revista haviam sido já atacadas à bomba em Dezembro de 2011.
A França abriga mais de 5 milhões de muçulmanos. Muitos são filhos de emigrantes e têm nacionalidade francesa. Trata-se da maior população islâmica da Europa. Ora, o desemprego em França ronda os 11% e é maior nas comunidades emigradas. Muitos jovens muçulmanos estão desiludidos com as perspectivas de vida e sentem a hostilidade dos franceses europeus.
A questão da integração dos grupos islamizados nas sociedades ocidentais é complexa e demorará décadas a resolver. Não é viável expulsar os muçulmanos na Europa e, se o fosse, não resolveria o problema. Resta procurar pontos de encontro entre as civilizações, ao mesmo tempo que se reforça a segurança. Não conheço outro caminho. Julgo que ninguém conhece.
Sem abdicar dos grandes princípios que orientam a nossa civilização, será necessário procurar entender o Outro e respeitá-lo. Provocações desnecessárias não constituem um exercício de liberdade. JE NE SUIS PAS CHARLIE.



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