quarta-feira, 30 de outubro de 2013

                

              O PRÉMIO NOBEL DA PAZ PARA EDWARD SNOWDEN?                            

                           II                   

       BRADLEY MANNING E JULIAN ASSANGE 



Alfred Nobel, o inventor da dinamite, deixou um legado destinado a premiar anualmente as figuras do mundo que mais se distinguissem em áreas específicas da atividade humana. Ao tempo, a Suécia e a Noruega formavam um único estado. A união desfez-se em 1905 e os prémios de Física, Química, Fisiologia ou Medicina, e Literatura passaram entregues em Estocolmo enquanto o prémio Nobel da Paz é anunciado em Oslo.
Nobel pretendia que o Prémio da Paz com o seu nome distinguisse a personalidade que mais tivesse feito pela fraternidade entre as nações, pela redução dos esforços de guerra e pela promoção de tratados de paz. Os júris de Oslo têm interpretado a seu modo as intenções do doador. No decurso das últimas décadas, têm sido atribuídos galardões a defensores dos direitos cívicos em países diversos, com um denominador comum: nenhum dos escolhidos hostilizou o império americano. Segundo os critérios em uso, Assange, Manning e Snowden estão bem longe de ser premiados.


Edward Bradley Manning foi colocado no Iraque em 2009, como analista do serviço de informações. Tinha acesso a ficheiros classificados. Acabou por comunicar à WikiLeaks uma grande quantidade de informação confidencial que foi sendo publicada entre abril e novembro de 2010, tanto pela própria organização como pelos jornais que colaboram com ela. Manning descarregou perto de 500.000 ficheiros secretos. Guardou o material em CD, antes de o copiar para o seu computador portátil. Passou-o em seguida para o cartão de memória da sua máquina de vídeo, para o poder transportar quando se deslocou aos Estados Unidos.
 

A mais chocante das inconfidências de Bradley Manning, que optou mais tarde por mudar de sexo e adotou o nome de Chelsea Elisabeth Manning, terá sido a gravação de vídeo a que o militar chamou “Assassinato colateral”. Mostra um helicóptero americano a atirar sobre um grupo de homens, em Bagdad. Um deles era jornalista. Outros dois eram empregados da agência Reuters. Empunhavam câmaras que o piloto tomou por granadas antitanque. O helicóptero abriu também fogo sobre uma carrinha que tinha parado para prestar ajuda aos feridos. Foram atingidas duas crianças que se encontravam no seu interior. O pai delas morreu.


A denúncia dos crimes de guerra levados a cabo pelas grandes potências desperta as opiniões públicas mundiais, que agem como contrapoderes. Um dos biógrafos de Manning sugere ainda que a divulgação das mensagens trocadas entre diplomatas, acusando os governos de corrupção, contribuiu para desencadear a chamada “Primavera Árabe”, que teve início em dezembro de 2010. Há quem considere que as informações publicadas por Manning ajudaram a entender melhor a natureza “assimétrica” das guerras do século XXI.


Um editorial do Washington Post questionou a facilidade com que um militar não graduado, com sinais de instabilidade emocional, teve acesso a segredos que deveriam ser dos mais bem guardados do mundo e pôde divulgá-los sem grandes entraves.
A WikiLeaks foi criada em 2006. Assentava na Internet e seguia o modelo da Wikipedia. Os colaboradores eram voluntários e as mensagens não eram assinadas. Destinava-se a publicar segredos de estado fornecidos por denunciantes anónimos. Julian Assange, nascido na Austrália e possuidor da cidadania sueca, chamou a si a tarefa de a editar e tornou-se o seu porta-voz mais conhecido. Iniciou na Internet uma cruzada contra a falta de direito e de moral dos serviços secretos de diversos governos. Os EUA foram os mais atingidos.


O jornalismo de intervenção de Julian Assange mereceu diversos galardões internacionais e granjeou-lhe inimigos poderosos. O seu trabalho sobre execuções extrajudiciais no Quénia foi premiado com o Amnesty International Media Award em 2009. Assange publicou também artigos controversos sobre a deposição de resíduos tóxicos em África e sobre as condições de detenção na prisão de Guantânamo.
A WikiLeaks estabeleceu parcerias informais com os jornais “El País”, “Le Monde”, “Der Spiegel”, “The Guardian” e “The New York Times”. Muitos segredos da administração americana foram divulgados. Tornaram-se conhecidos factos respeitantes às guerras do Afeganistão e do Iraque que o Pentágono gostaria de manter afastados dos olhos e dos ouvidos do mundo.
Assange continuou a ganhar prémios internacionais e viu a sua atividade jornalística ser reconhecida por jornais e revistas de prestígio como “The Economist”, em 2008, “Le Monde”, em 2010 e até a americana “Time”, em 2011.
Os seus inimigos atiçaram-lhe os cães às pernas. Julian Assange foi acusado de abuso sexual na Suécia. Perdeu a dupla cidadania, enquanto a Interpol o incluía na lista dos criminosos mais procurados. O Tribunal superior do Reino Unido pronunciou-se a favor da sua extradição para a Suécia, país tem com os Estados Unidos acordos que simplificam as extradições.  Se for julgado na América, Assange arrisca-se à prisão perpétua e mesmo à pena de morte.
Julian Assange encontrou maneira de entrar na embaixada do Equador em Londres. Pediu e obteve asilo político. O governo britânico ameaçou invadir as instalações equatorianas, à margem do direito internacional. Uma atitude irrefletida (e de legalidade mais do que duvidosa) seria estranha à tradição da diplomacia inglesa e desencadearia a hostilidade das nações centro e sul-americanas. Mais tarde ou mais cedo, abalaria o respeito pelas embaixadas e consulados do Reino Unido em todo o mundo e poria em causa a sua segurança. A situação entrou num impasse.
As reações aos escândalos diplomáticos despoletados por Assange, Manning e Snowden tiveram, como era de esperar, sentidos opostos. Por um lado, os governos sempre ambicionaram controlar a Internet e procuram aliados para estabelecerem acordos internacionais nesse sentido. Por outro lado, a maioria dos cidadãos comum gostaria de continuar a ver na Internet um espaço de liberdade. Receia que, no futuro, o ciberespaço se torne um feudo de caça das polícias políticas. As pessoas sentem-se cada vez mais vulnerável à exploração da sua privacidade pelos governos e pelos grandes grupos económicos que controlam o mundo. É fácil que quem denuncia as más práticas, as injustiças e as arbitrariedades dos poderosos seja, de certo modo olhado como herói. 

As fotografias foram retiradas da Internet

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