domingo, 14 de julho de 2013

                           LVI

                O CAPITÃO PERALTA



Da fronteira da Guiné-Bissau ainda se avistam os últimos contrafortes do maciço do Fouta Djalon. São já colinas, com manchas verdes de arrozais dispersos. Para cá, começa a savana. A erva chega aos ombros, a perder de vista. A floresta ladeia os rios e guarnece a fronteira com o Senegal. A faixa costeira é franjada por mangais que sobem ao longo dos estuários e mergulham as raízes, ocultando a terra firme.  
Entre a maré alta e a baixa, a superfície do território modifica-se em cerca de sete mil quilómetros quadrados. É muito, para uma área total que ultrapassa pouco os trinta e seis mil. Sobretudo a sul, o mar entra pela terra. Sucedem-se as rias, os riachos, os pântanos e as lagoas. Amílcar Cabral conhecia bem a geografia da terra onde nasceu. Ouçamo-lo:
Na Guiné, terra cortada por braços de mar, que nós chamamos rios, mas que no fundo não são rios: Farim só é rio para lá de Candjambari; o Geba só é rio de Bambadinca para cima e por vezes mesmo para lá de Bambadinca há água salgada; Mansoa só é rio depois de Mansoa, já a caminho de Sara, perto de Caroalo; Buba, esse não é rio de lado nenhum, porque até chegarmos a terra seca, é só água salgada; Cumbidjã, Tombali, são todos braços de mar, a não ser na parte superior com um bocadinho de água doce na época das chuvas, sobretudo o rio de Bedanda, que vem a Balama buscar água doce. O único rio de facto a sério, na nossa terra, é o Corubal.
Cuba prestou um apoio importante ao PAIGC, embora não se tenha empenhado tanto na Guiné como em Angola. Dizia-se que os condutores dos automóveis do partido, em Conakry, se conheciam por serem guiados por cubanos a fumar charutos.
O infeliz capitão Peralta foi, que eu saiba, o único conselheiro militar cubano apanhado pelas nossas tropas. Participou num ataque ao quartel de Buba, que tinha uma pista de aviação.
 Peralta andou a fazer reconhecimentos para preparar o assalto. Uma patrulha portuguesa encontrou vestígios de passagem de pessoas à volta do quartel e avisou o comandante. Um pelotão de soldados de infantaria foi mandado emboscar, nessa noite, num lugar apropriado.
 Avançaram três bigrupos pelo capim, que dificultava muito a visibilidade. Um bigrupo equivalia a meia companhia nossa. A tropa emboscada abriu fogo e os atacantes puseram-se em fuga. Peralta foi ferido e capturado. Tinha com ele os planos da operação.
 A guerra também tem episódios caricatos. Buba fica a sudoeste da Guiné, no extremo do Rio Grande que tem o seu nome. Peralta fez o reconhecimento da zona com a maré cheia e quase só viu água: o rio e os seus múltiplos braços. Os bigrupos avançaram pelo capim. Quando alcançaram a vizinhança da povoação, a maré vazara. Onde antes estava água, havia agora terra. O rio estava lá ao fundo. Parecia tratar-se duma região diferente.
Os guerrilheiros ainda montaram a artilharia ligeira mas, quando os soldados portugueses dispararam, tentaram escapar-se para o rio. Foram avistados pelos nossos fuzileiros e deu-se a debandada completa.  
O que espanta nessa história, que é relatada por Carlos Fabião, não é a ignorância das condições do terreno por parte de um capitão cubano. Admira é que os comandantes dos bigrupos, que conheciam bem o território onde lutavam, o tenham seguido. Grande seria o prestígio de Fidel Castro na África Equatorial…



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