quarta-feira, 15 de maio de 2013


                               AMÍLCAR CABRAL      
                                     XXXII

 O COMEÇO DA FORMAÇÃO INTELECTUAL


Em 1917, a mesma portaria extinguiu o Seminário-liceu de São Nicolau e instituiu o Liceu de Cabo Verde, no Mindelo. Era uma inovação do colonialismo português. O Liceu de Luanda seria criado um ano mais tarde. 
   A especificidade do Liceu Gil Eannes assentava na composição do seu corpo docente, maioritariamente cabo-verdiano. Professores e alunos tinham tons de pele semelhantes.
Era a mãe de Amílcar Cabral quem sustentava a família durante esses anos de Liceu, com a costura e o trabalho ocasional na fábrica de conservas de peixe. O pai podia contribuir com pouco. As secas e a má gestão dos bens herdados tinham-no devolvido à pobreza. Amílcar começou cedo a dar explicações para ajudar a família.
Datam desse tempo os primeiros poemas de Amílcar Cabral. O rapaz organizou dois cadernos de versos que só viriam a ser publicados após a sua morte.
A adolescência do futuro líder do PAIGC ficou assinalada por dois acontecimentos relevantes. Um, de nível mundial, foi a segunda Grande Guerra. O outro, de incidência local, foi a fome grande que, entre 1940 e 1942 terá colhido mais de vinte mil vidas no arquipélago.
       Amílcar tinha quinze anos quando estalou a guerra que iria dar origem ao desmembramento dos impérios coloniais europeus, modificando o equilíbrio de forças no mundo e a visão que as pessoas tinham dele.
   As notícias sobre o desenrolar do conflito eram acompanhadas atentamente na cidade. Esteve ali destacado um contingente militar português. Alguns oficiais milicianos eram estudantes universitários. Terão contribuído para divulgar as ideias democráticas e até comunistas, como iria acontecer anos mais tarde, durante as guerras coloniais.
     A redução do tráfego marítimo no Porto Grande de S. Vicente aliou-se à seca e à carestia de vida para afligir a população da ilha. As companhias inglesas despediram pessoal, agravando o desemprego. Foram aos milhares os cabo-verdianos que aceitaram contratos para trabalhar nas roças de S. Tomé e Príncipe e de Angola. Muitos outros emigraram para onde puderam. Em África, o Senegal era o destino mais pretendido. Quem podia, escapava-se para a Europa ou para os Estados Unidos da América.
Amílcar Cabral escreveu em 1969: eu vi gente morrer de fome em Cabo Verde… Essa é que é a razão da minha revolta. O líder africano acusava as autoridades coloniais de tomarem medidas insuficientes para combater as secas periódicas.
Foi em Cabo Verde que Amílcar Cabral se conheceu. Nascido na Guiné, é cabo-verdiano pelo sangue e pela educação. Os versos da sua juventude falam da pobreza, do sofrimento e da ânsia de evasão que se instalava cedo nos corações dos ilhéus. Deixemos aqui um poema, escrito em 1945, quando trabalhava na Praia:


                ILHA

     Tu vives - mãe adormecida-
     nua e esquecida,
     seca,
     fustigada pelos ventos,
     ao som das músicas sem música
     das águas que nos prendem...

     Ilha:
     teus montes e teus vales
     não sentiram passar os tempos
     e ficaram no mundo dos teus sonhos
     - os sonhos dos teus filhos -
     a clamar aos ventos que passam,
     e às aves que voam, livres,
     as tuas ânsias!

     Ilha:
     colina sem fim de terra vermelha
     - terra dura -
     rochas escarpadas tapando os horizontes,
     mas aos quatro ventos prendendo as nossas ânsias!

     No Mindelo, a cultura estava bem viva. Nasceram ali, enquanto Amílcar frequentava o liceu, dois movimentos importantes: o dos “claridosos”, ligado à revista Claridade e a “Academia Cultivar”, com a sua revista Certeza. Amílcar Cabral candidatou-se à "Academia Cultivar" com um conto (Fidemar) escrito em 1942.
       Em 1940, chegou à cidade o goês Diogo Terry, novo reitor do Liceu Gil Eannes. Reconheceu depressa o valor do jovem Amílcar, já conhecido pelas suas classificações elevadas. De certo modo, apadrinhou-o. Emprestava-lhe livros, aconselhava-o e acabou por o propor para um estágio em Portugal. Os estágios eram condicionados às matérias que o Governo considerava úteis para o Arquipélago, como por exemplo, Medicina Veterinária. Amílcar escreveria mais tarde que a vocação contava apenas para os estudantes cujas famílias lhes pudessem pagar os estudos. Não se sabe se a sua opção pelo curso de Agronomia foi totalmente pessoal ou se se tratou de uma adaptação à realidade envolvente.
        Amílcar terminou o curso liceal com distinção e mudou-se para a Cidade da Praia, onde conseguiu emprego de amanuense na Imprensa Nacional.
       Em Maio de 1944 nasceu a casa de Cabo Verde, em Lisboa. Naquele tempo, existiam organizações diferentes para os estudantes oriundos das diversas colónias portuguesas. Fundiram-se ainda nesse ano, dando origem à Casa dos Estudantes do Império (CEI).
A secção de Cabo Verde da CEI abriu, em março de 1945, o primeiro concurso público para jovens cabo-verdianos que pretendessem prosseguir os estudos em Portugal. O primeiro requisito para concorrer era ser natural de Cabo Verde. O nascimento de Cabral na Guiné foi desvalorizado, por ser filho de cabo-verdianos. Amílcar Cabral ficou em primeiro lugar e ganhou uma bolsa, paga em parte pela Secção de Cabo Verde da CEI e em parte pelo Liceu Gil Eannes. Somava 800$00 mensais. O segundo classificado foi subsidiado apenas pela Secção de Cabo Verde da CEI, recebendo metade dessa verba.
   Amílcar Cabral chegou a Lisboa no começo de Novembro de 1945.


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