sábado, 18 de maio de 2013


                                          
                             AMÍLCAR CABRAL

                                    XXXV

    A NEGRITUDE E O PAN-AFRICANISMO


                                      Léopold Senghor

      Às vezes, vê-se melhor ao longe do que ao perto. Chega a ser preciso sair dum país para o compreender. Algumas das ideias mais difundidas sobre a África Negra nasceram noutras paragens. O Pan-africanismo começou nas Caraíbas, enquanto a Negritude teve origem em Paris.
      No final do século XIX desenvolveu-se nos Estados Unidos da América um movimento que defendia a emancipação dos negros. Na mesma altura, Henry Sylvester Williams, advogado de Trindade e Tobago, lançou os fundamentos do Pan-africanismo. Viriam a ser desenvolvidos por W.E. Burghardt Dubois, que lançou um projeto de solidariedade entre todos os negros do mundo.
     Nos últimos anos da década de 20, o movimento da negritude foi fundado em Paris por Aimé Césaire, da Martinica, Léon Damas, da Guiana francesa e Léopold Sédar Shengor, do Senegal, entre outros. Resultava da troca de ideias e de pontos de vista entre estudantes negros a viver em França e artistas africanos provenientes de países diversos com o surrealismo e com as ideias de alguns pensadores franceses de esquerda. Tinha por bandeira a reafricanização dos espíritos. Obrigava ao estudo da história e da cultura africanas e  exaltava as raízes da raça negra. Dava abrigo psicológico e sentimento de pertença a muitos jovens que até então tinham lidado com a dificuldade de se sentirem simultaneamente negros e franceses.
     Os países europeus com domínios noutros continentes tiveram sempre necessidade de recrutar quadros subalternos para a administração colonial. Permitiram assim a formação local de classes sociais privilegiadas. O fim da segunda Grande Guerra levou à subida dos preços dos produtos exportados pelas colónias e fez crescer o número de famílias com possibilidade financeira de enviar os filhos a estudar para a Metrópole. Aumentou portanto o número de estudantes africanos nas universidades portuguesas.
     Curiosamente, Lisboa estava associada historicamente a movimentos precursores das independências africanas (protonacionalistas, no dizer de Mário de Andrade). Durante a vigência da nossa Primeira República funcionaram na capital portuguesa a Associação dos Estudantes Negros e a Liga Académica Internacional dos Negros.
      Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Mário de Andrade, Viriato Cruz e Lúcio Lara conheceram-se em Lisboa, enquanto estudantes universitários. Para eles, a africanidade nasceu na Europa. A verdade é que nenhum deles conhecia bem a África. A Negritude chegou a Lisboa em 1949, com a antologia compilada por Senghor. Foi lida por muitos estudantes africanos. Terão conhecido também o livro “Pele negra, máscara branca”, que Frantz Fanon publicou em 1952 para expor as suas reflexões sobre psicopatologia da colonização.
     Fanon nasceu na Martinica e combateu os alemães, integrado nas forças francesas livres. Estudou Medicina e especializou-se em Psiquiatria. Foi colocado num hospital argelino e juntou-se à Front de Libèration Nacional da Argélia. As suas obras influenciaram gerações de nacionalistas africanos. Em “Os Condenados da Terra”, publicado em 1961, já depois da sua morte, defendeu o direto dos povos colonizados a usar de violência na luta pela independência nacional.
      A Negritude recusava a subjugação dos corpos e dos espíritos africanos aos colonizadores europeus. Reivindicava também para os africanos a posse física do seu continente.
      Os estudantes africanos em Lisboa dedicaram-se ao estudo da cultura dos povos negros. Procuraram conhecer a história e a geografia dos seus países e interessaram-se pela antropologia e pela etnologia. Valorizaram a tradição de resistência negra contra a dominação colonial. Cresceram intelectualmente. Alguns prepararam-se para assumir funções de liderança nos processos históricos de autodeterminação dos respetivos territórios. 
      Quatro anos após a publicação da Anthologie de la Nouvelle Poésie Nègre et Malgache, Mário de Andrade reuniu uma colaboração variada e editou os Cadernos de Poesia Negra de Expressão Portuguesa.
     Cabo Verde desenvolvera uma cultura mestiça. O sentimento de cabo-verdianidade tinha um componente europeu e outro negro. Começou então a viagem espiritual de regresso de Amílcar Cabral a África. Afirmaria mais tarde que o colonialismo retirara os africanos da história.
       Amílcar Cabral não se limitava a refletir. Agia. Colaborou com Agostinho Neto, que fundara em Alcântara o Clube Marítimo. As atividades desportivas e culturais, toleradas pelo regime, permitiam encobrir o trabalho de consciencialização dos marinheiros angolanos que navegavam entre o Lobito e Lisboa, com escalas em Luanda e Bissau. Cedo permitiram assegurar o transporte de informações e de material clandestino nos dois sentidos.
      Algum tempo depois, o grupo de Amílcar Cabral e Agostinho Neto formou o Centro de Estudos Africanos. “Encostou-se” inicialmente à Casa de África, uma instituição que datava de 1910 e agregava africanos residentes em Lisboa. As coisas não correram bem entre as duas gerações de negros e o Centro passou a reunir em casa de Januário do Espírito Santo, pai de Alda.
   O Centro de Estudos Africanos promoveu algumas conferências e discussões sobre temas africanos. Permitiu ainda estabelecer relações com organizações congéneres no estrangeiro. Foi assim que Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Mário de Andrade e Alda do Espírito Santo puderam publicar trabalhos na revista Présence Africaine, liderada por Alioune Diop e fundada em Paris em 1947.
     O Centro nunca chegou a atingir grande relevância. Serviu, ainda assim, de modelo para outras organizações progressistas. Começava por se criar um grupo com declarados objetivos culturais, suscetível de ser aceite pelo governo salazarista. A política entrava aos poucos nas conversas, à medida que se tornava possível depositar confiança nos novos associados.


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