segunda-feira, 25 de abril de 2022

 


OS ESPANHÓIS EM ALMENDRA



No tempo em que a guerra civil grassava no país vizinho, um grupo de republicanos espanhóis desarmados atravessou a pé a fronteira e internou-se algumas léguas em território português para escapar às balas dos franquistas.

É provável que situações como esta se tenham repetido ao longo da raia. Falo dum grupo que chegou a Almendra e acampou no olival que fica frente à escola. Foi o António Moreirão quem me relatou este episódio.

O meu amigo António era mais velho que eu. Ainda assim, seria criança quando os factos se deram. A guerra civil de Espanha acabou em 1939. O episódio de terror que me foi contado terá ocorrido antes do final da guerra.

Os espanhóis fugidos eram homens, na sua maioria, mas traziam com eles algumas mulheres e crianças. Consta que o doutor Caldeira, uma das pessoas mais importantes da terra e o representante local da salazarista União Nacional, alertou os franquistas de Ciudad Rodrigo, que os vieram buscar. Quase ninguém na terra terá dado conta dos gritos de pavor e de angústia soltados pelos infelizes espanhóis quando se viram cercados.

O olival em causa ainda existe e dista poucas centenas de metros da rua principal da povoação. É quase impossível que os brados e os pedidos de ajuda dos republicanos não tenham sido escutados. Naqueles tempos revoltos, as pessoas tinham até medo de ouvir. Muitas consciências terão considerado aceitável ignorar o mal.

Como poderiam ter ajudado? É provável que ambas as partes tivessem partidários na terra. Não se pediria aos camponeses de Almendra que enfrentassem os veteranos franquistas armados. Não teriam, aliás, necessidade de o fazer. Provavelmente, bastaria que os da terra se mostrassem, para que os estrangeiros largassem as presas e batessem em retirada. Teriam os almendrenses medo ao doutor Caldeira?

Seria o caso de alguns. De um modo geral, o povo português olhou sempre com reserva e alguma hostilidade os representantes do poder. Pouco recebiam dos governos. Pagavam os impostos a contragosto e cumpriam a servidão militar quando não lhe podiam escapar.

Conto 78 anos e nasci em Almendra. Soube há algum tempo desse acontecimento. Quantos casos semelhantes terão ocorrido ao longo da raia de Espanha?

O nosso país foi olhado como um santuário pelas partes em luta.

Há histórias que ninguém gosta de lembrar. O medo habitava ambos os lados da fronteira.  Os pactos de silêncio calavam as almas e as bocas em troca da segurança das vidas.

O Doutor Luna Caldeira tem em Almendra um largo com o seu nome. Será que merece a distinção?