domingo, 31 de dezembro de 2017


                                                           
A VERDADE DESPORTIVA


Fiz-me adepto da Académica no começo da adolescência.
Anos mais tarde, em Coimbra, sem ter chegado a ser um fanático do futebol, fui acompanhando de perto as alegrias e tristezas do meu clube.
A dada altura, zanguei-me com a Académica. Era já homem. Aconteceu quando Fernando Peres, um talentoso médio de ataque, foi transferido do Sporting para a Académica, ao abrigo do estatuto de trabalhador-estudante, com prejuízo para o clube leonino. Considerei aquela transferência uma baixeza legal. O Peres andava no quinto ano do liceu quando foi para Coimbra e, tanto quanto sei, nunca passou daí. Na juventude, pelo menos, os meus padrões morais eram elevados e reneguei de vez a secção de futebol da Associação Académica de Coimbra. Aproximei-me do Benfica, cuja carreira então brilhante nunca deixara de aplaudir.
Há quem diga que um homem pode mudar de carro e de mulher, mas nunca de clube.
Os carros duram, em média, menos do que os cães, e já tive muitos cães. Estou casado com a mesma mulher há mais de 50 anos e já mudei duas vezes de clube. Vim viver para Setúbal, há quatro décadas, e tornei-me adepto do Vitória.
Esta introdução já vai longa. Reconheço que não acredito na verdade desportiva no futebol de alta competição, embora aceite que, feitas as contas, acaba habitualmente por ganhar o melhor. Vou contar duas pequenas histórias cuja veracidade não posso assegurar.
Consta que há muitos anos, quando Pedroto se mudou de Setúbal para o Porto, recusou antes uma proposta do Sporting por considerar reduzidas as verbas destinadas aos árbitros. “Si non e vero, e ben trovato”.


A segunda história, de moral igualmente duvidosa, refere-se a Napoleão Bonaparte. Conta-se que no Egito, num intervalo entre campanhas, o grande chefe militar se entretinha a jogar cartas com os seus oficiais superiores. Um dos generais mais próximos dele, atreveu-se a criticá-lo:
− Peço perdão, mas acho que o meu imperador fez batota.
Napoleão recolheu displicentemente as cartas, antes de baralhar e confessou:
− Eu não gosto de deixar nada entregue ao acaso.
Desconheço as implicações que as acusações levantadas nos últimos meses e dias ao Benfica irão ter. Vem-me, contudo, à ideia a carreira de Pinto da Costa, provavelmente o maior dirigente desportivo português de todos os tempos. Custa-me crer que ele tenha deixado grandes coisas ao acaso.