terça-feira, 15 de setembro de 2009



No romance 1910, a História cruza-se com várias histórias.
Duarte dos Remédios, personagem central do livro, é editor e procura talentos. Abriga, na sua tertúlia, Bernardo Soares e Alberto Caeiro, mas hesita em ver neles qualidades maiores.
Duarte é homem indeciso. Demora até a reconhecer o encanto da mulher com quem casou por conveniência de família. Persegue Susana, mulata bonita, quase criança ainda. Susana é filha do sargento Madruga, deportado para África por participação na revolta republicana de 31 de Janeiro de 1891.
Caeiro é pouco mais do que um rapazote e também gosta da bela mulata. Acaba por se meter com ela no meio da rua e regressa ao Ribatejo magoado no corpo e ferido no amor-próprio.
A Revolução Republicana triunfou a cinco de Outubro de 1910, e o último rei português embarcou para o exílio. Os chefes civil e militar da rebelião não viveram esse dia de glória. O médico Miguel Bombarda foi atingido a tiro por um doente e sucumbiu no dia três, horas antes da revolta eclodir. O almirante Cândido dos Reis terá virado a arma contra si próprio e não assistiu à alvorado do dia quatro. Em menos de dezoito horas, os republicanos perderam os dois líderes principais. Ainda assim, Machado Santos e os seus homens persistiram e lutaram até à vitória. Quem terá armado o tenente Aparício, que disparou contra o seu médico? Quem levou ao desespero o almirante Reis e o forçou ao suicídio? Se ninguém o fez, estaremos prestes a comemorar o centenário de uma das coincidências mais extraordinárias da História Universal.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009



Fernando Pessoa

ENTRE A MONARQUIA E A REPÚBLICA

Fernando Pessoa vivia em Lisboa desde 1904. Completou 22 anos em Junho de 1910.

Assistiu à revolução republicana, aparentemente sem se envolver nem tomar partido por qualquer dos lados.
Anos mais tarde, viria a zurzir com a mesma severidade a Monarquia Constitucional e a República.

“Quando fizeram uma “revolução” foi para implantar uma coisa igual ao que já estava”.

“Da obra política, o constitucionalismo não deixa senão um abismo maior entre as classes sociais, e uma desnacionalização mais adiantada e mais corrupta.
O que diz do constitucionalismo pode dizer-se, sem perigo de errar, da implantação da República... ... Se o regímen constitucional pouquíssimos pontos de contacto tem com quanto em nós seja português, a república francesa que implantaram em Portugal não tem, então, nenhuns.”

“As novas gerações assistiram e assistem, à posse do poder, mediante reformas ou revoluções, pelos homens que constituíram a mocidade de ontem, pelos democratas, pelos generosos, pelos entusiastas da trindade francesa. E viram que, tanto quanto à inteligência como quanto à moralidade, os homens da democracia em nada divergiam dos reaccionários que os precederam no poder.”

Afonso Costa não era líder político que o encantasse, ainda que o mesmo tenha acontecido com muitos republicanos da época. Em Julho de 1915, Pessoa enviou ao jornal A Capital uma carta assinada por Álvaro de Campos em que, a propósito do acidente ocorrido com Afonso Costa, afirmava que a própria Providência Divina se servira dos carros eléctricos para os seus altos ensinamentos.
Numa segunda carta, não publicada pelo jornal, injuriou Afonso Costa:
“O chefe do Partido Democrático não merece a consideração devida a qualquer membro da humanidade... ... Costa emporcalha e enlameia... ... Só não me regozija, no desastre acontecido a Costa, a circunstância, que infelizmente se parece confirmar, do seu restabelecimento”.

O extenso poema “À memória do Presidente-Rei Sidónio Pais”, publicado em 1928, louva o ungido, o predestinado, sem referenciar regimes políticos.

Ora bem! Alberto Caeiro e Bernardo Soares são personagens do meu romance 1910 que seguiu hoje para a gráfica. Se Soares é representado mais ou menos igual a si próprio, o moço Caeiro que se encontra no livro ainda está a meio caminho da maturidade que lhe viria a fazer merecer bem cedo o título de "mestre".